As aparências enganam
- Celisianne Leite
- Dec 26, 2022
- 3 min read
Antes de responder quem o outro é ou aparenta ser, lembre-se da máxima “não julgueis para que não seja julgado...
Que tipo de pessoa você é?
Essa pergunta é muito aberta e a resposta necessita de um conjunto de fatores que envolvem emoções, rotina profissional, vida social, família... A lista é extensa.
Isso é uma descrição pessoal complexa; mas será que a sua definição de si se harmoniza com a descrição dos outros sobre você?
Então, pergunte:
“Que tipo de pessoa eu aparentei ser?”.
“Quais adjetivos as pessoas usam para me descreverem?”.
Interessante é como definimos as pessoas por pontos isolados e específicos, mas esquecemos do todo; normalmente taxamos as pessoas de forma reativa, ou seja, qualificamos o outro da forma que o outro nos faz sentir. Porém, essas respostas reativas tendem a usar partes similares de indivíduos distintos para ajudarem ou prejudicarem o indivíduo com base no que o avaliador sente da interação; ou seja, usamos de seletividade e conveniência.
Ao exemplo disso, vamos analisar a vida de dois grandes escritores:
Fiódor Dostoiévski, um homem que sofreu muitas perdas ao longo da vida (pai, mãe, esposa, filho), tinha o vício do jogo. Por conta disso, ele se endividou muito e chegou a fugir da cidade com sua segunda esposa para se desvencilhar da cobrança; também se mostrou um homem revolucionário e foi preso (um preso político).
Agora, pegando essa breve descrição, analise (isoladamente e sem ligação com o escritor), uma pessoa viciada em jogos, “caloteira” e ex-presidiária. Essas características não inspiram confiança, não é? Porém, nossa ligação ou contato de influência com Dostoiévski se restringe aos livros que ele escreveu. Justamente por isso, a vida dele se torna secundária. As produções desse escritor tem um efeito de fácil identificação do leitor com os personagens, sua técnica de escrita trata de forma extraordinária temas os complexos da pisque humana e isso torna seus leitores cúmplices secretos.
No sentindo inverso, encontramos Friedrich Nietzsche. Um escritor alemão, criado para ser pastor, desde jovem se destacou no meio acadêmico, tanto que se tornou educador muito jovem e mesmo com sua saúde frágil, passou a vida afirmando a vida. Nietzsche combatia as negações da vida e sendo um escritor atípico – como ele mesmo se descreve –, com seu filosofiado martelo, causou uma ação reativa no seu tempo e até hoje encontramos críticos inflamados por suas ideias. Novamente, é nosso contato com as obras que dita a impressão que criamos do autor; e, sendo assim, um jovem professor doente não tem peso quando o que ele escreve cai como dinamite aos ouvidos sensíveis.
Contudo, existe uma similaridade peculiar entre Dostoiévski e Nietzsche. Ambos tinham, em certo grau, alterações nervosas. Em Nietzsche, por exemplo, devido a sífilis em estágio avançado, sofreu perda gradual de sua lucidez.
Fiódor, por outro lado, descreve seu abalo mental como combustível para escrever em uma carta direcionada ao seu irmão, quando aguardava o julgamento datado em 27 de agosto de 1849:
“De uns tempos para cá tenho tido a impressão de que o chão balança sob meus pés e eu fico no meu quarto como se estivesse na cabine de um navio a vapor. A conclusão que tiro disso é que estou com os nervos abalados. Antes , quando era tomado por esse estado de nervos, eu aproveitava para escrever – nesse estado sempre dava para escrever mais e melhor –, mas, agora procuro me conter para não me destruir completamente”. (DOSTOIÉVSKI, 1849).
Como se pode notar, embora ambos sofressem de debilidades mentais, ainda hoje se aponta como motivos para invalidar ou desmerecer o trabalho de Nietzsche, mas no caso de Dostoiévski esse fato raramente é apontado, e essa discrepância no trato de um ponto similar me leva a pensar nas motivações do leitor que qualifica, de forma diferente, por puro instinto reativo ao que sentiu da leitura.
Isso me faz pensar sobre quantas pessoas são taxadas reativamente; tão facilmente nós utilizamos o instinto de autopreservação e anulamos o todo que compõe o outro para pegar uma ação isolada (ou um detalhe) que nos incomoda particularmente. Com isso, taxamos o outro permanente de “um tipo” que não traduz o todo e, portanto, não diz que tipo de pessoa ele é.
Às vezes, é necessário rever que tipo de pessoa eu sou e que tipo de pessoa eu aparento ser. Mas, antes de responder quem o outro é ou aparenta ser, lembre-se da máxima “não julgueis para que não sejais julgado”.
Cleisianne Leite.
Fomanda em Biblioteconomia.