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Análise do conflito no contexto das relações pedagógicas

A vida comporta sofrimento, mas por toda vida sempre experimentamos algum grau de sofrimento que é dosado pelo destino...

Introdução


A história do homem é de luta contra as adversidades. Durante a história, elas foram interpretadas de muitos modos. Ora como manifestação do diabo, ora como má sorte, ora como luta de classe. No entanto, não foram resolvidas de modo definitivo (assim me parece); e cada vez mais o homem, ao usar o pensamento, se aproxima de sua causa (ou seja, lá o porquê) inibindo-a na medida em que sua vida material se torna confortável ou não há risco, como antigamente, de ruínas. Mas o que está em questão nos diferentes olhares que temos, enquanto humanidade, sobre nossos conflitos? Ora, é isto que tentaremos examinar e problematizar [1].


Inteligência como discriminação.


Dizer “examinar” implica em uma atividade de “decomposição” ou “divisão” de algo. Iremos, assim, dividir o nosso texto em partes que se relacionam, apesar da incomum junção de temas no mesmo eixo textual, examinando primeiro a condição prévia de validação de uma proposição [a qual será verdadeira se obedecer às regras da lógica formal]; ou, até mesmo, por outro lado, em seu caráter “existencial” [isto é, seu modo fáctico de existência concreta ou mundana], o afastamento da questão para possibilitar à razão sua devida digestão.


Ora! O que se quer dizer é que a primeira etapa geral de aquisição da verdade consiste em examinar a validade de um pensamento ou de uma ideia, que poderá ser feito (segundo penso) ao menos de dois modos: ou pelo exame rigoroso da lógica formal, que é um saber oriundo da academia; ou por meio da reflexão pessoal de uma questão pertinente ao espírito [a atividade pensante do homem] e à vida, mais que por pura curiosidade.


O nosso problema exige, sobretudo, o exame meditativo-reflexivo [2] que tem como compromisso ético a probidade intelectual, isto é, pelo respeito à verdade e aos fatos acima de nosso interesse político [se isto for possível].


A primeira condição do exame de uma questão, cuja resposta seja adquirida somente pelo viés meditativo-reflexivo, está no afastamento do objeto-problema, o que inclui o afastamento do contexto espaço-temporal do problema, em favor da objetividade, do qual o princípio é não aceitar por verdadeiro nada que esteja fora do âmbito crítico e próximo demais do observador-pesquisador [sobretudo afetivamente]. Atividade que é – segundo me parece – o ato da inteligência [isto é, o movimento interno de discriminação, posicionamento, categorização, etc.] que, mais que estruturar o objeto, visa posicioná-lo no “espaço existencial” (ou no campo de observação vital do “pesquisador”).


Assim, entendemos (aqui) a inteligência como o movimento de afastamento ou de distanciamento. Primeiro — ou até de, em um segundo momento – “parada” (como indica Marco Casanova), isto é, de “ruptura local” e momentânea ou relativa que nos dá a “pausa” necessária para a avaliação crítica do conteúdo em questão e que nos cai à mão ou aos olhos; de modo a não ir reproduzindo, sem maiores considerações, o que temos ou o que somos ou o que vivemos. Essa “parada” no pensamento seria algo análogo à velha busca pelos “valores” dos valores; ou seja, é aquela parada que damos ao ouvir um desconhecido na rua nos chamando, no qual, após, com especial atenção, em momento de pausa, de fato ouvimos o que se diz, justamente para emitir a resposta correta [e não uma qualquer].


Em um segundo momento, a condição geral, que é primeira no processo, por ser mais geral, consiste na submissão das informações ao Método indicado acima, indiretamente, como análise formal da proposição. Portanto, estou pondo no mesmo barco a lógica formal e o método científico porque é nosso objeto primeiro.


Nosso objeto primeiro, no presente texto, é dizer que há condições gerais para algo ser verdadeiro, ou seja, há dispositivos técnicos necessários a se considerar no momento de dar importância a uma asserção, mas que não bastam em si, não para todos os assuntos, pois há questões que exigem “meditação” ou “reflexão contínua” ou revisões e que não são propriamente de ordem lógico-veritativa (apenas), cuja maior contribuição é permitir-nos à verificação de uma proposição em sua acepção estrutural e, quanto ao Método, nos fornecer as regras gerais de manejo das informações, além de “indicar” procedimento ético no manejo [3].


O romantismo francês.


A verdade exige, assim, critério. No entanto, a tese rousseauniana do bom selvagem (perdoe-me, mas soa-me como um completo disparate), sobretudo quando confrontamos a literatura filosófica à realidade cotidiana e justamente por ser uma interpretação romântica e precipitada [sem o devido rigor] da América.


Considerado sua época, Rousseau se baseou em relatos incertos sobre como viviam os selvagens americanos e tão rapidamente fez boas considerações aos mesmos. O pensamento rousseauniano, se contraposto à verificação dos fatos, ao endossar tal tese, baseado em relatos duvidosos e por uma animação estranha de sua época, atropela os limites do bom senso ao elogiar os selvagens de modo precipitado, embora a tese tenha um profundo efeito letárgico e estético, pois inverte a intuição imediata sobre o que pensamos em geral dos selvagens; ou, sobretudo à época, o que se pensava dos não europeus e, de resto, lê o comportamento humano por uma perspectiva não acusatória e positiva.


Ademais, ao elogiar a natureza em oposição à civilização (em sentido de cultura organizada através de instrumentos sofisticados), comete-se um ato de motim contra esta — que, se tem dureza e sofrimento intrínsecos, se deve aos limites do homem [4]; e mesmo que a civilização tenha sérios custos — estou saindo ligeiramente do tema — à vida pulsional, como assinalou Freud, ainda assim é necessária ou indispensável – sem deixar de dizer que a vida em civilização é aquele modo de vida, se não o mais pulsionalmente pujante, no qual se manifesta a verdadeira grandeza ou força do homem. É nesse contexto que vemos a tenacidade, o gênio e a beleza do espírito humano (é onde, assim, podemos elevar-nos na qualidade de homem, ao desenvolvermos nosso espírito ou ímpeto ético, estético, moral, intelectual).


Ora! Mas, nada disso é considerado! O que se faz, atualmente, é sempre adotar o autor de estimação e cegamente caminhar sob seus passos, mesmo quando os fatos não são favoráveis a essa atitude – como acredito serem os fatos contra o pensamento rousseauniano – que endossa, em âmbito público, uma postura de pensamento sentimentalista, na qual, entre seus efeitos negativos, está a isenção de responsabilidade aos grupos socialmente marginalizados (quando os mesmos se mostram hostis ao bem-estar público). Ora! É desse sentimentalismo populista à esquerda, que suspende o senso crítico sobre o marginalizado, que não o faz (entre outros) adquirir consciência tanto política quanto social.


Em resumo, quando se cria espaços de vitimização (e não estou dizendo que não há vítima ou injustiça social — se não houvesse nem estaria aqui), o pedagogo [tomado como qualquer uma relação de ensino-aprendizagem] isenta-os da crítica ou da autocrítica. Ou seja, a condição de minoria sociológica isenta-os de serem exortados.


Os pedagogos, herdeiros da sensibilidade rousseauniana, quando protegem (em nome de princípios ideológicos) o grupo marginalizado, lançando-o à imunidade... Eles estão, além do que foi dito no parágrafo anterior, apesar de sua imensa boa vontade, isentando-o da luta [ou de mobilização de forças produtivas], entre outros, porque o visa como inferior ou incapaz [5]; sem dizer ser estranho o amor pela humanidade, sobretudo o amor de intelectuais ou doutores pela população carente que, como sabemos, os desprezam [sobretudo a turma no colegial].


A ausência, em resumo, de critério na construção do conhecimento na pedagogia rousseauniana, a qual partiu e endossou uma tese literariamente bela, mas estruturalmente errônea e funcionalmente ruim, a qual supõe, a partir de relatos duvidosos das Américas à Europa, a bondade original do homem em natureza, somente porque não tinha a consciência ético-moral de seu comportamento, têm desdobramentos problemáticos acima mostrados [o de hipersensibilizar-nos com imagem inadequada da humanidade, isto é, como uma humanidade originalmente boa]; embora, contenha princípios interessantes. Ou mesmo que o homem, sendo originalmente bom ou, no mínimo, neutro em sua condição de base/nascimento, ao errar, não deva ser censurado [ou interditado] o que contém, ademais, a noção de alguma diferença, visto que a crítica, por parte dos intelectuais de mídia (esses pedagogos!) está sempre em sentido de o fazer às autoridades [não tanto, assim, aos próprios agentes que oneram demais a vida ou a convivência], sendo, de resto, em tese, muito mais produtiva a conscientização ativa e crítica da classe popular sobre “os fatos da vida” [que contém sempre algum conflito que decorre de ordem ou forças supra-humanas].


O problema não se encerra nisso. Poderíamos continuar a criticar a noção de bondade natural ou originária do homem em natureza assim como pisar na ferida, isto é, nos efeitos práticos de tal mentalidade.


A guerra epistemológica e seu desdobramento


Os intelectuais à esquerda tendem — por assim dizer —, acredito que com a maior boa vontade, criar espaços sociais nos quais seja reduzida a injustiça social, ou na qual haja maior incremento de justiça e bem-estar entre o corpo social [sobretudo da classe popular, a qual pertenço]. No entanto, o fazem atropelando a objetividade e a probidade intelectual quando partem de uma noção de homem rousseauniano, que condiz mais com o olhar de sua classe sobre a população.


Em nome de uma vida justa ou de condições dignas de sobrevivência — para usar a expressão corrente — os professores universitários [sobretudo de sociologia, filosofia, história e psicologia — chamados aqui de “pedagogos rousseanos”], sobretudo por influência do pensamento marxista [por assim dizer; isto é, revolucionário [6], mesmo indireta e pouco consciente, mas não exclusivamente por isso, mas também por conta de uma implícita “disputa epistemológica” (disputa por estabelecer como pensar ou organizar o conhecimento e em como isto se desdobra em política) no qual temos, na arena, o essencialismo dos conservadores ou tradicionalistas [por assim dizer, para os quais há verdades eternas, que é um ponto importante a sinalizar em nosso texto] contra o “antiessencialismo” [ou não-fundacionismo] dos antimetafísicos [pensamento à esquerda, a qual admiro] que partem de uma hipótese de que não há essências últimas na determinação dos entes; isto é, porque, dizem-nos, a noção de essência é uma ficção linguística e que não corresponde de nenhum modo aos fatos, sendo os fatos sempre sujeitos a releituras, visto que temos por parte da filosofia e da ciência [o que é muito razoável em teoria] narrativas e não fatos em si.


Em outras palavras, a “pedagogia rousseauniana” — que deve ser pensada aqui de modo alegórico para descrever o sentimentalismo dos pedagogos — é o ponto de origem destes que os faz olhar para o educando como imune à crítica (sobretudo no sentido de comentário) sincera [tão sincera que, ademais, poderá conter algum elemento, por força dos fatos, a princípio, hostil, mas que, por ser sincera, não se mostra assim sob análise da intenção. Isto é, quando a crítica é sincera poderá soar aos ouvidos como ofensa, sem, porém, ser realmente assim na intenção de quem a proferiu] de modo a construir toda uma nova formulação teórica na qual se parta de uma nova noção de homem — não mais um homem previamente “entificado” como originalmente mal (com o faz o cristianismo), no qual o homem, não somente sul-americano, mas o homem em geral, deve ser pensado sob base não moral [7] ou não metafísica.


De um lado, temos os conservadores com a noção tradicionalista de homem e mundo, calcado no pensamento grego e cristão para o qual o homem é pensado pré-romantismo francês [por assim dizer, dentro desse escopo]; de outro, os modernos e contemporâneos (sobretudo o hegeliano, com sua noção de ser não substancializado, ou o nietzschiano, com sua noção das categorias do pensamento lógico ou racional como ficções linguísticas e moldadas por fatores biohistóricos, o pragmatista, com sua noção de indiferença a verdade mesma, pura, porém mais interessada ao diálogo e ao progresso da comunicação) a qual partem do inverso; isto é, de uma noção de homem e mundo ainda por se dá e, por vezes, até contrário à prévia adoção de pressupostos sobre o “ser-aí humano” — para usar uma expressão heideggeriana que vai ao encontro do tema. Enfim, por detrás — assim conjuro — da disputa apresentada [ou seja, do embate epistemológico entre os conservadores e os progressistas], está a pedagogia rousseauniana do bom selvagem, a suposição a “priori” de que o homem, sobretudo o educando [aquele que está sendo educado], é bom, mas vítima de problemas sociais que por vezes os lançam a situações ruins aos mesmos e aos demais.


Ademais, em nome da suspensão da crítica de teor moral (que direciona o comportamento e pensamento para as bases da tradição, ou mesmo, para o modo de avaliação calcado em algo como avaliação de si e do outro com base nos conceitos de bom e mal, partindo da suposição de que existe algo assim como um parâmetro relativamente correto de bondade e maldade), como veremos a frente, inibe-os da crítica (que deve ser feita sem valoração moral depreciativa sobre sua dignidade ou capacidade).


Ora! Para aqueles que são antimetafísicos ou antiessencialistas, portanto, contrários a prévia adoção e valorização de homem e mundo, sobretudo a partir da tradição cristã, as interpretações religiosas são metáforas e a moral [tomada aqui como conjuntos de regras proibitivas] decorre de uma certa força de narrar atos ou comportamentos ou práticas, não havendo ninguém bom ou mau [que é um impulso libertário, diga-se].


Há relações ou práticas que são aprendidas e são interpretadas como boas ou más, segundo critérios antropológicos [não teológicos ou metafísicos], o que significa, entre outros, que há a suspensão da consideração do estatuto original do homem prévio à sua existência.


Em tese, partir da neutralidade do homem é algo muito bom! Mas, corresponde aos fatos? O que se passa no pensamento, ou no texto, ou na dissertação, corresponde a algo no mundo?!... Não sei, visto que o campo discursivo permite criar ficções e, assim, desmentir os fatos do mundo ao sabor de meu desejo [isto é, do desejo do falante].


Ora! O pensamento antiessencialista se funda em uma base sólida e parece ter todo nexo em epistemologia (teoria do conhecimento), mas o uso prático e político é em sentido de isentar grupos de valor moral, nivelá-los apesar de suas diferenças. Não obstante, valores práticos, “ateóricos” [tácitos] e de fundo religioso, igualmente bem fundamentado, somente porque, à luz do pensamento social, aparece como categoria de opressão, são dispensados [8].


Em outras palavras, a estranha piedade à humanidade sofredora, os pobres e doentes [que têm de terem sua dignidade respeitada em qualquer sentido!], é sempre interpretada pelos intelectuais (do mundo inteiro) como expressão de sofrimento, cuja origem é a luta de classe pelo próprio fato [os pedagogos, calcados numa visão sentimentalista, interpretam o conflito — ágon — como originária de uma luta entre classes]; ou, se não, de disfunções sexuais [em geral se lê as adversidades/conflitos pelo viés marxista ou freudiano — virou senso comum!].


Em resumo, o problema epistemológico da consideração da “natureza” do conhecimento, que se desdobra em uma consideração, mesmo que indireta, de homem e mundo, se torna éticopolítico, cujo afeto de base é uma suposta compaixão pela humanidade sofredora que, portanto, nos induz ao erro à medida que a piedade fala mais alto ao nosso espírito que os fatos ou a verdade de uma proposição.


Conclusão


O caráter agonista da vida — Ágon bate à porta!


A vida é intrinsecamente sofrimento — em seus diferentes graus [9]. Ora, no entanto, nem sempre é tomado desse modo, pelo contrário, não raramente dizendo que o mundo é um local no qual é ruim para uns ou o bom em demasia para outros; mas, insisto, a vida comporta sempre sofrimento em graus inversamente proporcionais à sorte, mas ainda assim, por toda vida, sempre experimentamos algum grau de sofrimento que, ironicamente, se corretamente dosado pelo destino, constitui o ingrediente final da felicidade — quando vencemos, mesmo que momentaneamente, uma adversidade.


Não obstante, por algum motivo, não pensamos assim. Nós, em nossa eterna juventude [a eterna vontade de viver], sempre ao olhar para o futuro o vemos com bons olhos por pior que esteja nossa vida ou a conjuntura sociopolítica, pois o impulso natural do “organismo”, ou do “psiquismo”, é sempre para frente [à medida que estamos fincados no princípio da realidade ou sujeitos ao “instinto” de conservação], o que, aliás, entre outros, nos lança, por vezes, em um círculo vicioso de ilusória esperança no futuro como local de abertura e de vida, isto é, dizemos assim para nosso espírito: “Está ruim, sim, mas tudo passa. Logo, portanto, iremos superar tais problemas”.


Ora! O “espírito agonista” [o conflito — ágon, compreendido pelos gregos antigos como fundante da natureza das coisas, do cosmo, da vida] é interpretado de muitos modos — como já sinalizado na introdução. Ora se interpreta o conflito agonístico como erro, ora como castigo por ter “salgado a santa ceia”; ora como o simples azar, ora como ausência de um amor; ora como luta de classe, sem que consideremos a suposição hipotética de que a vida, em sua totalidade, comporta o sofrimento como parte fundamental de si, de tal modo que não possamos escapar; ou seja, não podemos pensar a vida — para além da causa do sofrimento — como possível, mas sem o sofrimento, o conflito, a angústia dilacerante, em alguns momentos.


Ademais, o sofrimento, apesar de tudo, tem um elemento orientador ou, dito de outro modo, pedagógico que nos ensina algo ou que puxa-nos ao pensamento, ou que põe em relevo o não dito (o oculto, o sutil, o implícito).


Portanto, além de ser inerente à vida, é também alguma coisa assim como orientador, como no caso da dor física que – apesar do sofrimento que causa – indica-nos que há algo errado no corpo.


O sofrimento, dentro desse recorte textual, ao conversarmos sobre os intelectuais de esquerda ou sobre a literatura de esquerda, é interpretado [em parte com razão] como oriundo de uma luta de classe [ou mesmo como de uma luta entre forças opressivas e libertadoras], na qual esse caráter agonístico ou sofrível da vida não é pensado assim, enquanto inerente à existência, mas como produto intencional de uma classe sobre outra ou, dito de outro modo, das relações de produção, as quais os trabalhadores estão submetidos [ninguém está dizendo que trabalhar 16 horas, ou ganhar uma mixaria, seja bom ou justo ou não intensifique o sofrimento]; ou seja, os intelectuais pós-rousseauniano [sentimentalistas], nesse contexto, explicam ágon através de uma inimizade, tal como se um dia, ao eliminar a propriedade privada, ao igualarmos tudo, ao matarmos todos os burgueses, a humanidade irá deixar de sofrer — ou será qualitativamente distinta do que é.


Aqui, o intelectual sentimentalista, montado na compaixão e inflamado de desejo de justiça, fala como profeta e porta-voz de boas-novas ou médico, mas no fim das contas, segundo acredito, não sabe o que está fazendo, pois, como já dito, sua compaixão os trai.


O intelectual socialista cria um sentido para o sofrimento e prescreve um remédio: a revolução!


Para operar tal ideia, o intelectual sentimentalista — rousseauniano — que está se alimentando do fracasso, do ressentimento de uma população e do próprio sofrimento existencial (o mais comum entre estes), além de converter a força agonista inerente à vida, uma força impessoal em uma força pessoal, direciona o olhar para longe da “causa” ou do quê, criando – como antigos padres – uma série de prescrições infundadas para o “mal”, o sofrimento e o “pecado”. Enfim, ágon, e um sistema de inimizade, que não é necessário ou advém da diferença entre ricos e pobres (por si mesmo); e parte desse modo de “olhar” do “intelectual” [todos os que trabalham com as ideias ou os conceitos] é oriundo de sua compaixão à humanidade sofredora e, também, em algum nível, originada ou “acionada” por experiência de sua vida — assim suponho —, na qual, uma vez ele também tomado de modo injusto por alguém de outra classe, enfim, ao experimentar a dor, calcado no rancor, mascara sua passionalidade ou “maldade” e projeta o seu desafeto contra algo ou alguém em um âmbito público e ainda cria “sistemas” e “teorias” para justificar tal modo de pensamento: o revolucionário.


Os intelectuais referidos estão, em suma, interpretando mal o sofrimento e, além disso, usando-o como arma política através da adoção de sentido coletivo ao sofrimento, sem compreender que a vida é sofrimento; e ao fazê-lo, ademais, estão interrompendo o fluxo potencialmente criativo de elevação éticomoral do homem [ou mesmo, de criação artística], entre outros, porque ágon permite emergência do pensamento ou de significado existencial, cuja origem está na própria constituição individual (e até mesmo social).


Aqui, vale aquele ditado bíblico: a letra mata!


Thiago Carvalho.

Psicólogo e pós-graduando em neuropsicologia.

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[1] Na introdução, abordamos a questão do conflito que será somente finalizado na conclusão e indiretamente. Dizemos que ele foi abordado ora como manifestação do diabo (que constitui a interpretação religiosa), ora pelo azar (cuja ordem é mundana); ora como luta de classe (cuja ordem é política). A introdução adianta algo de menor importância, mas necessário de se comentar aqui nas notas. Trata-se de que deixei, embora vagamente indicado pela expressão “à medida que sua vida material se torna confortável”, implícito que o projeto socialista (estou usando o termo socialista ou marxista de modo vago, com a única intenção de apontar o pensamento revolucionário ou à esquerda), ao tentar organizar a força agonística para “fora” e para o “outro”, não compreende ou aceita o mal-estar ou o conflito inerente ao mundo vivo como parte de alguma coisa que é também próprio da natureza da natureza.


[2] O dito exame meditativo-reflexivo consiste na atividade de pensar e repensar o problema sem compromissos quaisquer. Consiste, assim, em apenas buscar virar o problema de muitos lados em sentido de o ver de muitos modos, explorando – portanto – suas possibilidades de interpretação; ou explorando um modo alternativo de o ver.


[3] Estou supondo que para todo tipo de problema há igualmente um tipo de metodologia ou abordagem adequada.


[4] Isto é, sua condição.


[5] A necessidade de isentar alguém ou uma classe de responsabilidade, ou de amortecer o encargo de responsabilidade dos mesmos ante a vida e a sociedade — especialmente do modo como se faz —, é uma indicação implícita de incapacidade da mesma classe [ou do mesmo grupo] de assumir responsabilidade, ser exortado ou de seguir determinados parâmetros ou requisitos.


[6] Apesar de o marxismo não se encaixar diretamente aí, ao tocar no problema do pensamento antimetafísico, pois é metafísico e trabalha com a noção de verdade substancial — enfim!


[7] Isto é, hoje se procura pensar os problemas sem referência ao juízo de valor, como se o mesmo não expressasse alguma verdade ou como se houvesse algum juízo de fato (alguns dizem que qualquer juízo tem como ponto de partida a valoração).


[8] Os valores práticos e religiosos são vistos como isentos de caráter de verdade, sendo, portanto, apenas expressão de um modo de valoração ou de um juízo de valor; não somente, mas de um valor negativo, isto é, que condena, que interdita, que tem má intenção.


[9] Não há como pensar realmente que a vida de alguém, por mais rico que seja, seja em si absolutamente boa ou perfeita. Toda forma de vida sofre! Há sempre fases boas e ruins, sendo a pior, para muitos, a morte.


*1) O texto não tem enxerto, nem copiados nem memorizados, mas nasceu de minhas reflexões, e isto é o que explica – em parte – as falhas textuais — tais como ausência de perfeita unidade temática e coerência. O material de base, além da leitura de livros e artigos, são os vídeos e os posts do Facebook e Youtube [de diversos autores ou pessoas], dos quais uso como background [como parâmetro de aferição e análise].


*2) A minha dissertação tem, além disso, o objetivo de ser um exercício intelectual de organização do pensamento.


*3) O texto é um ensaio e deve ser compreendido como algo de análogo a um gênero literário, pois trabalha com muitas metáforas e não tem pretensão de verdade (ou cientificidade).

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