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A ignorância e a filosofia

Não me refiro apenas à ignorância como ausência de conhecimento técnico-científico, mas como o ato de ignorar a verdade...

Por todos os tempos os filósofos e sábios da história têm pensado o comportamento humano pela perspectiva moral:


Por que o homem escolhe o mal?


Ora! Há muitas respostas.


Dizem-nos que o mal é uma entidade metafísica que luta contra Deus; outros dizem que não há mal, apenas a ausência de bem; outros dizem que bem e mal são perspectivas. Afinal, bem e mal são valores terrenos, humanos, demasiado humanos, aos quais dependem do nosso modo de estar no mundo… A questão é que o mal está no mundo; e tais respostas, ademais, são por demasiado genéricas.


Proponho aqui pensarmos sobre possíveis origens do mal (seja lá como forem ou como são compreendidas por cada um), como algo que emerge da ignorância humana. Não me refiro apenas à ignorância como ausência de conhecimento técnico-científico, mas como o ato mesmo de ignorar a verdade (ou os fatos).


Enfim, o que propomos aqui é supor que a existência do mal tenha uma infraestrutura.


Contudo, o que é uma infraestrutura?


Dito rapidamente, se pegarmos a “etimologia” da palavra, temos que “infra” significa “abaixo” e “estrutura” algo como “suporte”. Assim, infraestrutura é aquilo que dá condição a algo a ser o que é. Por exemplo, o eleitor funciona como suporte para a política, isto é, sem eleitores não há sistema político [há uma relação de mútua dependência].


Nossa hipótese é a de que a ignorância seja a infraestrutura do mal — entendido aqui como males, por exemplo, violência, corrupção, estupro, assassinato, narcotráfico, milícia, terrorismo, etc.


Ora! A ignorância, mais que produto do ato de não conhecer, seria resultado de um desprezo pelo conhecimento racional — ou seja, declarado ou sistematizado. No entanto, racional por oposição ao emocional ou intuitivo; não tanto, portanto, como sinônimo de lógico. Assim, ou sobretudo, por desprezar o conhecimento da cultura presente — os avanços técnico-científicos e espirituais de seu povo [me refiro ao Ocidente: ou, mesmo, do pensamento Grego, Romano e Hebreu].


Portanto, saber colher os saberes deixados por outros povos, tais como os antigos gregos, romanos, hebreus, por exemplo, é parte fundamental daquilo que se compreende por “esclarecimento“ [não exatamente esclarecimento como Aufklärung, mas sim como saída da ignorância [toda e qualquer].


Claro, poder-se-ia dizer: “Ora amigo! A violência, por exemplo, não vem da ignorância, mas da ausência de oportunidade, isto é, da ausência de Estado/ governo, não, portanto, da inteligência e bondade de qualquer grupo social”.


Esse argumento é de lugar-comum. Contém alguma verdade, sim, todavia, ela mascara — oculta:


1. Que se o homem é produto do meio, ele não irá mudar enquanto o meio não mudar;

2. Que, portanto, não tem como recuperar-se;

3. Que quem opta pelo crime é inocente, ou, mesmo, tem a mesma dignidade dos demais: somos todos corruptos (dizem-nos), maus, ruins, em algo. Contudo, isto além de exagero é o nivelamento por baixo. Sim, é supor que não haja pessoa realmente boa, simples, tranquila, honesta, amorosa, empática, altruísta. À medida que compreendemos o oposto, isto é, que existem boas e más pessoas, podemos tomar consciência crítica — apesar disso soar hoje como moralismo, que viabiliza a mudança de posição.


Ou seja, a mudança de rumo somente é possível quando somos criticados [ou autocriticados] — quando nos vemos e vemos o que estamos fazendo de errado [errado como oposto ao adequado]. A tal consciência moral, portanto, não teria por finalidade o adoecimento pela culpa — a humanidade é pouquíssima conscienciosa! — mas a tomada adequada de rumo. — Portanto, se daria pela tomada de consciência efetiva de que o desprezo pela cultura, pela universidade, pela escola, pelo livro, pelas religiões, pela filosofia, pela ciência, é o que lubrifica a engrenagem e máquina da ignorância, que, assim penso, no limite, ao ápice, conduz-nos à violência, ao terrorismo, ao autoritarismo.


No entanto, infelizmente ninguém pensa assim!


Mesmo que admita a validade desse pensamento, isto é, que a ignorância possa ser compreendida como infraestrutura do mal, ela parece não saber o que é ignorância ou, mesmo, caso tenha uma intuição, não se importe: o homem é egoísta demais para mudar de comportamento por conta da verdade.


Assim, em sua maioria as pessoas seguem suas vidas sem reflexão! Com certeza! É praxe! Quase ninguém medita no que diz, pensa e/ou fala. Ao menos de modo consciente! No máximo, claro, no ato de sonhar talvez ocorra algo como “reflexão”, pois é um modo de pensar e refletir — no qual, todavia, não temos controle.


Alheio a verdade, assim o cotidiano é. Em geral, marcado e atravessado pela indiferença quanto ao conhecimento. No lugar de conhecer — e conhecer a verdade — prefere-se crê. Aquilo que se ouve no rádio, se vê na televisão ou internet, se conversa na rua (enfim) aquilo que no mundo cotidiano é dado pelos demais, tais como pais, amigos, namoradas (os), professores, vizinhos, padres, pastores, é tratado como fato cabal sem [contudo] uma verificação. “Não importa se preocupar com a discriminação, o preconceito, o estereótipo, enquanto não é parte de minha vida”; “se crianças morrem no Afeganistão, pouco me importa”; ou, ainda, “se as drogas condicionam ao crime e à morte, pouco me importa se não mate a mim e aos meus”. Já que no mundo cotidiano o que está em questão é o valor prático — e não ético — de uma “coisa”, pessoa ou situação.


"Valores éticos não importam!".


Essa indiferença pela verdade [entendida aqui como oposto à ignorância] — por que não tem valor prático — ou, mesmo, pelo conhecimento, pela filosofia, pela ciência, pelas religiões, é o que irá, em seu desdobramento, culminar na guerra civil brasileira, que (contudo) está mesmo presente na mídia em off e ninguém a trata com espanto.


Morrem mais pessoas por ano no Brasil do que na morte de estadunidenses no Vietnam. Em 2020 o país registrou mais de 60 mil assassinatos por ano; enquanto que na guerra do Vietnã, que durou aproximadamente 17 anos, morreram-se aproximadamente 58 mil soldados estadunidenses. Poder-se-á citar outros dados, ou informações que dão o mesmo peso.


Veja só:


Em 2018 na Alemanha, que tem 1/5 de nosso território e aproximadamente metade de nossa população, houve apenas 600 assassinatos. — Em contraste, em nosso país ocorreu 100 vezes mais. As coisas são como outro dia li no Facebook: “O Brasil” — disse uma mulher — “é um matadouro”.


Você acredita que a tomada de consciência [isto é, a valorização equilibrada do pensamento e da cultura, ambos calcados no livro, na universidade, na escola, no diálogo] poderá modificar para melhor a presente situação de nossa “cultura”?


Ora! Por um lado somos inclinados a dizer que sim. Por outro, no entanto, diz-se, lá no fundo do pensamento, dentro de nós, em uma parte incomunicável, que não, pois uma vida calcada em tais termos — na cultura, na verdade, no conhecimento, na leitura — é apenas delírio utópico.


Ora! O importante aqui não é transformar tudo num estralo de dedos. Mas sim, abrir o tema; pôr em questão o problema da ignorância como um modo de vida alheio às diferentes manifestações do espírito humano, privilegiando, aqui, porém, o seu aspecto “sapiencial”.


O que se quer pôr em relevo é: A ausência de senso crítico moral, isto é, de nós sobre nós mesmos, relativo aos nossos costumes e valores, é o que oculta o nosso modo de viver marcado por uma persistente ignorância espiritual, não mostrando-nos os nossos erros, e, assim, inviabilizando a correção dos mesmos [não tanto, assim, visando destacar a hipótese acima — inicial — de que a ignorância é a substância do mal]. Assim, como nós não nos preocupamos com o status filosófico, existencial e intelectual do mundo, nós nos fechamos à crítica e assim não corrigimos os nossos erros que, ademais, saem do âmbito individual à medida que se multiplicam para o sócio-histórico.


Como podemos, assim, sem autoconsciência moral e crítica nos direcionarmos e alinharmos nossas velas e navios à civilização, em seu melhor sentido, se somos radicalmente refratários à reflexão, à crítica, à verdade (tomada aqui como fato verificável e para além da opinião), ao conhecimento, ao livro, à cultura (tomada aqui como o âmbito do conhecimento, da diferença e do diálogo)?


Ora! É modificando o modo como pensamos, ao darmos — enquanto sociedade — maior valor à cultura clássica, por exemplo, seja na literatura ou na filosofia, que iremos mudar o modo como agimos. É, em meu modo de ver, o único modo de tornar a sociedade — ou as sociedades — um espaço não violento e saudável de coexistência.


Contudo…


Thiago Carvalho.

Psicólogo e pós-graduando em neuropsicologia.

1 commentaire


Anderson Cruz
Anderson Cruz
23 janv. 2023

Amplamente pertinente, pois nos leva ao posto de ignorante diante daquilo que precisamos nos abster.

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