O contraponto do Cristianismo
- Anderson Cruz
- 29 de dez. de 2022
- 4 min de leitura
O evangelho não pode ser institucionalizado, pois se assim fosse ele seria segregador...
Imagine o seguinte cenário: O lugar é um templo evangélico. Uma pessoa sem qualquer título importante na hierarquia cristã está expressando uma mensagem incomum aos templos denominacionais, pois as palavras apontam para os princípios ensinados e praticados por Jesus. Ao terminar, é abordada por alguém que pergunta: - Por que você só falou de Jesus e nem sequer mencionou os grandes personagens, como Davi, Jó e Abraão? Imaginou? Estranha essa cena, não é? Porém, um dia eu mesmo fui abordado para me explicar diante dessa pergunta. Eis a minha resposta: - Você está me questionando por eu ter refletido com você sobre o principal personagem da Bíblia? Falar de amor, perdão e compaixão não é do seu interesse? Eu deixo para os líderes deste templo essa responsabilidade de focar naquilo que menos importa. Tais palavras causaram espanto à minha questionadora e o diálogo se encerrou ali. Estou trazendo essa situação para discorrermos um pouco a respeito do quão distante pode estar um sistema religioso-cristão do legado de Jesus, mesmo contendo o seu nome exposto em suas paredes – com letras garrafais – para todo mundo ver. O Antigo Testamento é, e talvez sempre será, o modelo seguido nas instituições cristãs. Há algum crime moral em cima dessa realidade? Ao meu ver, não. No entanto, a mensagem transmitida aos fiéis com base nesse modelo deve ser racionalmente questionada, mas isso acontecendo, há o risco da mudança de perspectiva de quem se submete aos conselhos sacerdotais. Tal risco traz consigo um risco ainda maior (nesse caso, risco para os próprios sacerdotes): o de ser questionado por seguidores iluminados pela lógica. Alguns, com o ranço à religiosidade, afirmam que os líderes religiosos são, necessariamente, corruptos e – por isso – exploram os carentes de alento pelo o que mais afeta o dia-a-dia de um ser humano: a pobreza financeira. Porém, não vejo honestidade da parte de quem generaliza esses fatos, pois há líderes que agem assim por acreditarem ser o correto. No caso deles, difícil é concluir que haja exploração, pois a convicção de que estão cumprindo mandamento divino (por exemplo, a lei do dízimo), os faz "inconscientes" da exploração que fazem sobre os fiéis alienados. Apesar disso, são provedores de fideísmos, isto é, doutrinas teológicas que possuem (como principal característica) o desprezo à razão. Com isso, criam seguidores fidelizados que, ludibriados pela eloquência de missionários eufêmicos, fecham os olhos para o evangelho de Jesus.
Voltando ao contexto geral, os templos sagrados seguem se espalhando pelo mundo cheios de jovens e adultos movidos por momentos emocionais que alimentam carências afetivas e aliviam o peso de culpas e ressentimentos, o que é bom do ponto de vista paliativo.
Entretanto, qual problema pode existir nesses casos emotivos que os evangélicos tanto se prendem?
Na interpretação religiosa do evangelho de Jesus que faz crentes ensoberbados enxergarem a si mesmos como detentores (muitas vezes, únicos detentores) do conhecimento da salvação. Creem em uma transcendência sucessora de rituais repressores que cerceiam a autonomia e a liberdade de raciocínio.
Crer é uma atitude idônea, desde que sua convicção não construa prejulgamentos àqueles que não se identificam com seus costumes. Embora isso seja simples de obter concordância, o que vimos são condenações morais extirpando reputações.
Como eu disse anteriormente, não há nada de errado na existência de templos religiosos e até os vejo como importantes no contexto social. Mas, uma instituição se dizer cristã não significa sê-la em sua essência e isso podemos comprovar quando vemos membros não conhecerem a prática do perdão, por exemplo.
Aprendizes religiosos acreditam que perdoar é o mesmo que esquecer o que aconteceu no passado e como não conseguem apagar da memória, pensam não haver a possibilidade de perdão a quem causou algum mal. Demonstram-se egoístas por não conhecerem o poder da partilha; segregam os que passam necessidades maiores e ainda os julgam dizendo que estão carentes financeiramente por consequência pecaminosa; assim, o curso religioso segue como se fosse natural um ser humano não saber conviver em compaixão e amor ao próximo. No século primeiro, o Judaísmo se fazia pela crença da autoeleição (nos dias de hoje, muito ainda se vê essa tal afirmação); que o reino de Deus era conquistado por meio de sacrifícios e rituais que provavam a fidelidade humana; as leis mosaicas imperavam com forte poder de subjugação alheia e, com isso, a autoridade sacerdotal sobrepujava-se aos miseráveis que esperançavam as remissões por seus pecados; pecados esses determinados pela própria lei judaica.
Ao inverso de tudo isso, Jesus mostrou um caminho bem mais simples [mas não fácil de trilhar] que consiste no desapego, no perdão, na compreensão, na caridade, na fé e na maior de todas as virtudes: o amor. São atitudes que não se encaixam no sistema religioso-cristão, pois a consequência é a independência intelectual dos fiéis e isso, de forma alguma, pode ser aceito por quem precisa mantê-los em um cárcere ideológico; e promover a ilusão de uma salvação oriunda de uma religião é o que resta para quem sobrevive da ignorância alheia.
Conforme às ideias de Jesus, jamais deveríamos nos manter em uma dependência religiosa; ele, por sua vez, nos convidaria a vivermos como parte deste mundo. Quem se convence de que a este mundo não pertence, do evangelho de Jesus nada conhece.
O evangelho não pode ser institucionalizado, pois se assim fosse ele seria segregador. Ao contrário, o legado de Jesus é unificador.
Essa boa nova (que se resume em seus ensinamentos), portanto, é o contraponto do Cristianismo.
Anderson Cruz.
Escritor, terapeuta e licenciando em filosofia.
Texto com uma realidade difícil de ser digerida, mas é o que todos precisam ler e entender.