Pílula filosófica: Um pouco de Nietzsche
- Thiago Carvalho
- 25 de fev. de 2023
- 9 min de leitura
Nietzsche é um pensador que provoca reflexões profundas e questionamentos sobre o papel do homem na sociedade e o significado da vida...
1. Apresentação
Friedrich Nietzsche (1844-1900) foi um filósofo alemão do século XIX que desenvolveu uma filosofia única e provocadora. Abordou temas, como: a verdade, a moral, a religião, a vida e a morte.
Ele acreditava que a moral e a religião (tradicionais) se tornaram opressivas e limitantes à humanidade e, com isso, buscou criar uma nova forma de pensar que pudesse valorizar a individualidade e a vontade de poder. Alguns dos seus conceitos mais conhecidos incluem o "Übermensch" (além-do-homem), a crítica à moral cristã e a ideia de "eterno retorno".
Para a boa compreensão de seu pensamento, há de se dizer algo sobre o aforismo e o seu papel na sua Filosofia.
O aforismo é uma forma de escrita filosófica que consiste em frases curtas, concisas e poéticas, que transmitem uma ideia profunda. Nietzsche utilizou o aforismo em suas obras para expressar suas ideias de forma sucinta e impactante, de modo a estimular o pensamento crítico do leitor e ajuda-lo a compreender sua filosofia. Além disso, o aforismo é uma forma de escrita que permite a Nietzsche expressar suas ideias de forma livre e não de forma linear, o que reflete a natureza fragmentada e múltipla do pensamento filosófico.
O uso de aforismos, por Nietzsche, reflete sua preocupação com a linguagem e a comunicação efetiva da Filosofia.
2. Principais conceitos
Seu legado inclui uma ampla gama de conceitos e ideias, alguns dos quais são ainda debatidos e influentes até hoje. Neste artigo, exploraremos algumas dessas ideias-chave.
Apolíneo e Dionisíaco
Nietzsche distingue entre dois arquétipos que representam dois modos opostos de ser humano: o Apolíneo e o Dionisíaco. O Apolíneo é o princípio da razão, da ordem e da claridade [ou princípio de individuação]; representa a busca da beleza e da perfeição. Já o Dionisíaco é o princípio da paixão, do instinto e da emoção; representa a fúria criativa, o prazer da vida e a sensualidade. Nietzsche argumenta que a arte, a religião e a cultura são resultadas da interação entre esses dois arquétipos.
Amor Fati
Nietzsche reitera a ideia de amor fati, ou amor pelo destino. Isso significa que, em vez de lutarmos contra o destino, devemos amá-lo e aceitá-lo, pois tudo que acontece é necessário e faz parte de uma grande ordem. Nesta vertente, o pessimismo é superado e a vida é vista como uma aventura fascinante, cheia de possibilidades e desafios.
Eterno Retorno
Outra ideia central de Nietzsche é o eterno retorno. Ele argumenta que tudo o que já aconteceu, acontecerá novamente, eternamente. Isso significa que, apesar das aparências, a vida é uma repetição infinita de eventos, e que devemos abraçar esse fato e viver plenamente cada momento, pois ele está destinado a ser repetido.
Decadência
Nietzsche vê a civilização ocidental como decadente, devido ao que ele chama de "síndrome de esgotamento". Ele argumenta que a moralidade cristã, a ética e o positivismo científico são expressões de uma cultura que perdeu sua vitalidade e virou-se para a negação da vida. Ele propõe que a solução para essa decadência é a superação da moral cristã e a criação de uma nova moralidade, baseada em valores diferentes.
Moral de Rebanho
A moral de rebanho, segundo Nietzsche, é a moral herdada das massas e imposta por instituições como igreja, política e família. Essa moral é baseada em valores como a compaixão, a igualdade, a humildade e a submissão que (segundo Nietzsche) são valores dos fracos e não dos fortes. A moral de rebanho é vista por Nietzsche como uma forma de controle e opressão dos fortes sobre os fracos e é um obstáculo para a realização da vontade de potência — o desejo de crescimento e superação — da humanidade.
Vontade de Potência
Ele descreve a Vontade de Potência como uma força vital que impulsiona a vida a buscar aumentar sua potência e realizar seus desejos. Essa vontade não se limita apenas ao ser humano, mas é uma força presente em todas as coisas vivas na natureza.
Nietzsche acredita que a Vontade de Potência é a fonte da criatividade, da arte e da cultura e que é a responsável pela evolução e desenvolvimento da vida. Ele argumenta que a Vontade de Potência é a força que guia a busca humana por conhecimento, realização e felicidade.
3. Sua crítica ao platonismo
Friedrich Nietzsche criticou duramente a filosofia platônica e o pensamento metafísico da Grécia antiga, argumentando que estes se concentravam demais na busca de verdades universais e eternas, negando a realidade concreta da vida. Para Nietzsche, a teoria das Formas Eternas de Platão (que propõe que existe um mundo suprassensível de ideias eternas e perfeitas) é uma fuga da realidade e uma negação da vida e de suas imperfeições [algo demasiado questionável, pois o horizonte de compreensão do pensamento platônico passa por outra via]. Além disso, ele argumenta que o pensamento metafísico da Grécia antiga é decadente e inerte, pois se concentra em conceitos abstratos ao invés de se concentrar na realidade imediata da vida.
Nietzsche tinha em mente (ao criticar o pensamento platônico e metafísico) a necessidade de se concentrar na vida concreta e no mundo imediato, em vez de buscar verdades eternas e universais. Ele acreditava que a Filosofia precisava se voltar para a vida e para a experiência individual em vez de se concentrar em conceitos abstratos e metafísicos. De acordo com sua filosofia, a vida é uma força vital que precisa ser celebrada e valorizada e não negada ou negociada. Ao criticar Platão e o pensamento metafísico, Nietzsche buscava estimular a reflexão sobre a importância da vida e da experiência individual na Filosofia.
4. Sua crítica ao cristianismo [1]
Friedrich Nietzsche viu o cristianismo como uma religião opressiva e decadente que tinha um impacto negativo na humanidade. Ele acreditava que a moral cristã, baseada na submissão e na renúncia, era prejudicial à vontade de poder humana e limitava a criatividade e a individualidade. Além disso, Nietzsche argumentou que a religião cristã valorizava a morte e o sofrimento, o que ele considerava uma forma de autodestruição.
Nietzsche criticou, também, a concepção de Deus no Cristianismo, argumentando que a crença em um ser onipotente e onipresente era uma fraqueza da humanidade e uma falta de coragem para enfrentar a realidade da vida e da morte. Em vez disso, ele defendia a criação de uma nova moral e religião que valorizasse a vida e a individualidade.
Em resumo, Nietzsche via o Cristianismo como um sistema de crenças decadente e opressivo que precisava ser superado para a evolução da humanidade.
5. Suas influências
Friedrich Nietzsche é considerado um dos filósofos mais influentes e provocativos do século XIX. Sua filosofia é uma crítica ácida à moral, à religião e à cultura ocidental, e busca questionar a base da verdade e da realidade. A formação do pensamento filosófico de Nietzsche foi influenciada por uma série de autores e correntes filosóficas, incluindo:
Schopenhauer: Arthur Schopenhauer foi um dos filósofos que mais influenciou Nietzsche. Ele partilhava com Nietzsche a visão pessimista da vida e a crítica à razão iluminista. Argumentava que a vida é governada por uma vontade incontrolável e insaciável, que leva ao sofrimento e à insatisfação. Essa visão influenciou a filosofia de Nietzsche sobre o tema da Vontade de Poder.
Schelling: Friedrich Schelling Foi um filósofo alemão do século XIX que desenvolveu uma teoria da natureza e da realidade. Ele argumentava que o universo é governado por uma força cósmica (e divina) e que a verdade é conhecida apenas através da intuição. Essas ideias influenciaram a filosofia de Nietzsche sobre a natureza da verdade e do conhecimento.
Rousseau: Jean-Jacques Rousseau foi um filósofo e escritor francês do século XVIII. Sua crítica à sociedade civil e à moral convencional influenciou a filosofia de Nietzsche, especialmente na questão da liberdade individual e do papel da sociedade.
Sócrates: Foi um filósofo grego do século V AEC que é considerado um dos fundadores da Filosofia Ocidental. Sua crítica às opiniões e à moral convencional influenciou a filosofia de Nietzsche sobre a questão da verdade e da moral.
Filosofia Clássica: A filosofia clássica, incluindo autores como Platão e Aristóteles, influenciou a filosofia de Nietzsche em vários aspectos. Ele questionou a teoria platônica da realidade e a concepção aristotélica da moral.
6. Ele influenciou a Filosofia, o Cinema e a Literatura
Na Filosofia: Muitos autores foram influenciados por Friedrich Nietzsche durante o século XX, incluindo: 1) Martin Heidegger — o filósofo alemão foi fortemente influenciado por Nietzsche em sua obra "Sein und Zeit" [Ser e Tempo]; 2) Jean-Paul Sartre — o filósofo francês incorporou conceitos nietzschianos em sua filosofia existencialista; 3) Jacques Derrida — o filósofo francês incorporou conceitos nietzschianos em sua teoria da desconstrução; 4) Martin Buber — o filósofo judaico incorporou conceitos nietzschianos em sua teoria do diálogo.
Esses são apenas alguns exemplos dos muitos autores que foram influenciados por Nietzsche durante o século XX. Sua filosofia continua a ser estudada e debatida aos dias de hoje e sua influência é sentida em muitos campos, incluindo Filosofia, Literatura, Psicologia e Sociologia.
No cinema: Apesar de não haver filmes diretamente influenciados por Nietzsche, sua filosofia influenciou muitos cineastas e suas obras. Aqui estão alguns exemplos: 1) Terrence Malick — sua obra é influenciada pela estética de Nietzsche e pela busca de significado; 2) Stanley Kubrick — suas obras são influenciadas pela filosofia de Nietzsche e sua visão crítica da sociedade; 3) David Lynch — sua obra é influenciada pela estética surrealista e pela filosofia de Nietzsche, especialmente em sua abordagem da verdade e da realidade; 4) Martin Scorsese — sua obra é influenciada pela filosofia de Nietzsche e sua crítica ao cristianismo; 5) Ingmar Bergman – sua obra é influenciada pela filosofia de Nietzsche e sua crítica à moral cristã.
Estes são apenas alguns dos muitos cineastas que foram influenciados pelo pensamento de Nietzsche.
Na literatura: Há muitos escritores e obras literárias que foram influenciados pelo pensamento de Friedrich Nietzsche. Aqui estão alguns exemplos: 1) "As Sagradas Escrituras" de James Joyce — é claramente influenciado pela filosofia de Nietzsche, especialmente em sua abordagem crítica do Cristianismo; 2) "Finnegans Wake" de James Joyce — é influenciado pelo pensamento de Nietzsche e sua abordagem da verdade e da realidade; 3) "Nausea" de Jean-Paul Sartre — é influenciado pela filosofia de Nietzsche e sua crítica ao Cristianismo.
Estes são apenas alguns dos muitos escritores e obras literárias que foram influenciados pelo pensamento de Nietzsche.
7. Críticas ao pensamento de Nietzsche
As críticas ao pensamento de Friedrich Nietzsche incluem:
Falta de clareza: Alguns críticos argumentam que o estilo poético e fragmentário de Nietzsche pode ser confuso e difícil a ser seguido.
Rejeição da razão: Nietzsche é conhecido por sua crítica à razão e à lógica, o que levou a críticas de que ele não fornece uma base sólida para suas ideias.
Natureza supostamente misógina e racista de sua filosofia: Algumas de suas escritas foram criticadas por seu conteúdo misógino e racista, o que tem levado a acusações de que sua filosofia é moralmente questionável.
Uso inadequado de sua filosofia: Ele foi frequentemente mal interpretado e sua filosofia foi utilizada de maneira inadequada para justificar ideologias políticas e sociais perigosas, como o nazismo.
Falta de sistematicidade: Alguns críticos argumentam que o pensamento de Nietzsche é fragmentado e não forma uma visão coesa do mundo.
Contudo, é importante destacar que essas críticas são frequentemente objeto de debates filosóficos e não há consenso unânime sobre elas. Muitos filósofos e pensadores ainda encontram valor e inspiração nas ideias de Nietzsche; e, talvez, o mais importante seja comentar algo a respeito de Bertrand Russell.
O filósofo e matemático britânico [Russell], de fato, tinha uma visão negativa sobre o pensamento de Nietzsche.
Em sua obra, Russell afirma que Nietzsche era incapaz de amor e que sua moral era perversa, e argumenta que ele tinha uma visão distorcida da vida e da sociedade. Entendia ele que a moral e a ética era como algo que deveria ser baseado na compaixão e no respeito pelo outro e acreditava que a moral deveria ser utilizada para promover o bem-estar e a felicidade das pessoas.
Em sua opinião, a moral de Nietzsche era perversa porque valorizava a força, a vontade de poder e o individualismo acima da compaixão e do bem-estar dos outros.
Além disso, Russell argumentava que Nietzsche tinha uma concepção distorcida da realidade e que sua filosofia era baseada em mitos e fantasias, em vez de fatos concretos e verificáveis. Em sua opinião, a filosofia de Nietzsche era uma espécie de niilismo, que negava a existência de valores e verdades universais e que levava a uma vida vazia e sem sentido.
8. Conclusão
Friedrich Nietzsche foi um filósofo alemão, cujo pensamento revolucionou a Filosofia e a Cultura Ocidental. Ele é conhecido por sua crítica à moral cristã, à democracia e ao humanismo, além de sua defesa da Vontade de Poder e do individualismo.
De acordo com especialistas, por exemplo, Oswaldo Giacóia Jr., Nietzsche vê a moral como algo criado pelo homem e não como uma verdade absoluta e, por isso, acredita que o indivíduo deve ser livre para criar sua própria moral e sua própria vida, sem ser governado por padrões sociais. Ele também argumenta que a democracia e o humanismo são ideais fracos e que a verdadeira liberdade só pode ser alcançada através da Vontade de Poder e do individualismo.
Ao longo desse artigo, abordamos alguns dos conceitos mais importantes do pensamento de Nietzsche, incluindo sua crítica à moral cristã, sua defesa da Vontade de Poder e sua visão sobre o papel do indivíduo na sociedade. Também, discutimos sua abordagem do conhecimento, da verdade e da realidade e como ele se posiciona em relação ao determinismo e ao livre-arbítrio.
Em conclusão, o pensamento de Nietzsche continua a ser influente e relevante até hoje e suas ideias têm sido amplamente discutidas e debatidas por filósofos e pensadores de todo o mundo. Embora haja muitas interpretações e visões divergentes sobre sua filosofia, uma coisa é certa:
Nietzsche é um pensador que provoca reflexões profundas e questionamentos sobre o papel do homem na sociedade e o significado da vida.
[1] A teologia cristã responde ao pensamento crítico de Friedrich Nietzsche de várias maneiras. Alguns teólogos argumentam que Nietzsche não compreendeu plenamente a mensagem cristã e sua natureza transformadora e que sua crítica é baseada em premissas equivocadas. Outros teólogos argumentam que a crítica de Nietzsche à religião cristã pode ser entendida como uma forma de despertar a reflexão sobre as verdades e valores da fé cristã e que a crítica pode ser usada como uma oportunidade para revisitar e renovar a tradição cristã. Outros já argumentam que a religião cristã não é uma forma de opressão, mas, sim, uma fonte de liberdade e esperança para muitas pessoas e que a crítica de Nietzsche não leva em conta esse aspecto positivo da fé cristã. De maneira geral, a resposta da teologia cristã à crítica de Nietzsche é uma combinação de defesa e autocrítica, buscando equilibrar a fé cristã com a realidade histórica e social, e sempre procurando renovar e fortalecer a mensagem cristã.
Thiago Carvalho.
Psicólogo e pós-graduando em neuropsicologia.
Simplesmente incrível!
Parabéns texto claro, informativo um apanhado geral na medida certa.
Uma aula!!!
Escrita clara e que traz ao leitor uma maneira palatável de lidar com o filósofo. Não bastasse isso, outros grandes filósofos, escritores e cineastas são citados, despertando a curiosidade. Parabéns, Thiago!!
Marcelo Kassab