Para que serve a religião?
- Anderson Cruz
- 27 de dez. de 2022
- 3 min de leitura
Quanto pior vive um homem ou quanto mais desamparado, mais ele sonha com a recompensa no paraíso...
Historicamente, o nosso mundo se desenvolveu tendo as religiões como sua bússola em muitos aspectos. A ideia de um deus sempre contribuiu para que os parâmetros de conduta se estabelecessem na construção de definições entre ética e moral. Socialmente falando, é um preceito que aponta para as práticas de tolerância e compaixão ao próximo e esse cenário proporciona uma sociedade unida pelo bem coletivo. Um conceito que todos nós desejamos que aconteça, mas na prática vemos que não é bem assim.
O lado ocidental do mundo foi expandido com forte influência da cultura judaico-cristã, a ideia de um deus poderoso, o que potencializa o significado etimológico da palavra de origem latina.
A palavra “Religião” vem do latim “Religare” que significa “religar, atar, ligar bem”. Uma expressão poética que religa o ser imperfeito (humano) ao ser perfeito (Deus). Existe ainda um vocábulo – também latino – que traz um significado menos popular: “Relegere” que significa “reler, revisitar, retomar o que estava largado”. Porém, o primeiro é o mais usado em nossos tempos.
Ao escrever “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”, Karl Marx disse:
“A religião é o soluço da criatura oprimida, o coração de um mundo sem coração, o espírito de uma situação carente de espirito. É o ópio do povo”. (MARX, 1843).
Contextualizando essa frase, provavelmente Marx não relacionou a religião à substância extraída da papoula oriental, chamada ópio – uma droga natural. Mas, a comparou com o efeito causado naquele que tem a sua vida em função da religião e suas doutrinas. Para o filósofo alemão, religião é para o povo um paliativo aos seus problemas, um adormecimento consciente, uma distração aos fiéis que buscam por milagres com ilusões que só escancaram sua realidade de pobreza mental.
Fiódor Dostoiévski (russo e contemporâneo de Karl Marx), em “Os Demônios” escreveu o seguinte sobre religião:
“Quanto pior vive um homem ou quanto mais desamparado ou mais pobre é todo um povo, mais obstinadamente ele sonha com a recompensa no paraíso”. (DOSTOIÉVSKI, 1872).
Temos aqui dois personagens importantes do século XIX. Primeiro, Karl Marx, ateu e que no início de sua carreira questionou o olhar religioso de sua época. Também eu citei Fiódor Dostoiévski, um cristão ortodoxo que não poupava ousadia na criação de seus personagens para mostrar os efeitos causados a quem segue, anestesiadamente, uma instituição religiosa.
Note que suas percepções, mesmo três séculos atrás, ainda servem para nos levar a reflexões que podem desvendar os nossos olhos sobre os interesses daqueles que intentam manter pessoas sob suas regras, em nome de Deus.
A religião, quando utiliza de sua autoridade para atender as vozes que ecoam desespero pelas ruas das cidades, mostra o seu valor social, pois a espiritualidade se faz no acolhimento e suprimentos físicos, mentais e espirituais. Podemos ver esse lado magnífico que algumas instituições preservam e que trazem benefícios à sociedade.
Contudo, a partir do momento que as igrejas são construídas para funcionarem como mecanismo de controle das pessoas que buscam alento, a religião serve apenas para alienar pobres de espírito e desesperados à beira do suicídio. Aí, os interesses políticos passam a ter mais importância que os princípios que originalizaram todas as religiões: A religação com Deus (ou deuses).
O tema é polêmico e sempre será, pois afeta diretamente a quem está no círculo religioso que eu já estive um dia.
Posso dizer que quando o “amor ao próximo” não é concebido (e nem tão pouco praticado) é porque a essência do “Relegere” já “foi pro brejo”. Líderes que se vestem de santos e falam como semideuses, mas priorizam os interesses de suas empresas religiosas, não conseguem ter uma vida de exemplo social e nem espiritual. Não conseguem entender que a benevolência é o pressuposto do amor a Deus. Ou seja, não há como amar a Deus se – primeiramente – não cuidarmos uns dos outros com amor e carinho.
A religião é necessária, socialmente falando, mas usá-la como meio de controle é drogar os fiéis com a pior das drogas.
Anderson Cruz.
Escritor, terapeuta e licenciando em filosofia.
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