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Cap. 02: Arbítrio sem liberdade

Atualizado: 3 de out. de 2024

Se é verdade que há uma finalidade para nossa existência e que temos livre arbítrio, essa finalidade não pode ser determinada por Deus...

Rastros do primeiro capítulo


Ao acreditarmos em uma fonte essencial que nos forma (substância primeira), somos levados a pensar em um ser superior, pelo qual podemos nos definir. A essência necessária para qualquer ser. Porém, no caso da visão essencialista, essa própria fonte é quem determina uma finalidade à nossa existência.


Por outro lado, o existencialismo surge com um sinal de lucidez para quem tem a subjetividade como o meio definidor de si mesmo(a); e, com isso, cada ser determina o seu propósito de vida. Sendo assim, a ideia de um deus é superada, resultando em uma independência de cada ser, mesmo estando ele inserido em um contexto que contribui no seu desenvolvimento.


Tendo pontuado isso, chegamos a essa dualidade condutora de uma questão, a qual eu irei discorrer a partir deste capítulo. Eis a questão:


Se a essência nos precede e, com isso, nascemos com uma finalidade pré-determinada, ao existirmos nesse mundo de desafios (o qual exige de nós sabedoria, coragem e resiliência), o quanto nós somos suficientemente livres para determinar nossas escolhas?


Tendo dito isso, agora vamos além para encontrar as respostas.


Para ler o Cap. 01 na íntegra, clique aqui.


O livre arbítrio sugere um equívoco divino


Durante muitas gerações, a crença de que a essência divina é o elemento chave para dar sentido à vida tem sido mantida. Se há algum propósito a ser compreendido quanto à nossa existência, muitos argumentam que é necessário primeiro entendermos quem somos.


Até aqui, essa doutrina parece ser razoável. No entanto, a situação se complica quando convicções religiosas criam – e continuam a reproduzir – uma “verdade indiscutível” que leva milhões de pessoas a seguir um caminho irracional, pois aquilo que é dito sagrado, para os religiosos, se torna verdade.


A partir disso, analisaremos o seguinte axioma: “A essência divina define a finalidade de nossa existência”.


No intuito de justificar a ideia de essencialismo, muitos atribuem a Deus o papel de introduzir um propósito humano – uma vez que alegam se tratar de um ser consciente e perfeito, que planejou tudo antecipadamente para que a criação funcionasse de acordo com a sua vontade. Entretanto, os proponentes do pensamento essencialista afirmam, também, que há aqueles que estão indo contra essa vontade divina.


Para esclarecer ainda mais, de acordo com essa percepção essencialista que estamos examinando, a sociedade é composta (de um lado) por indivíduos que compreenderam o desejo divino e que, por meio de suas escolhas, cumprem a finalidade pré-estabelecida; e por pessoas (de outro lado) que escolheram o caminho contrário, pois não compreenderam sua essência e nem, portanto, o sentido da vida.


Diante desse cenário, a abordagem essencialista descarta a possibilidade de uma finalidade subjetiva, o que nos faz suscitar dúvidas sobre o livre arbítrio; e é aí que está a fraqueza dessa abordagem, pois, se é possível que as pessoas escolham um caminho diferente do que foi supostamente determinado, isso sugere que Deus errou em sua criação.


Interessante é notar que os defensores do conceito essencialista parecem ignorar essa grande contradição.


Aproveitando o exemplo do carro que foi utilizado no primeiro capítulo desta série, é importante destacar que, para o veículo existir, é necessário um construtor que lhe dê uma finalidade específica e que ele deve funcionar conforme o programado. Se o veículo funcionar de modo diferente, considera-se defeito de fábrica e o construtor, por sua vez, é responsabilizado.


Esse exemplo pode ser aplicado para entendermos a contradição essencialista. Se agimos de forma contrária à finalidade pré-estabelecida, então somos resultado de um defeito divino, já que deveríamos estar seguindo exatamente o caminho determinado. Caso contrário, seria como se Deus tivesse criado o ser humano para uma finalidade específica e determinada, mas permitido que escolhêssemos viver como bem entendêssemos. Se isso for verdade, para que serviria a finalidade divina?


É possível, por exemplo, que o fabricante construa um carro com quatro rodas, mas que ele possa (também) se mover apenas com duas? Certamente não, pois a finalidade do veículo é se mover com quatro rodas.


Contudo, você pode – ainda – argumentar que o livre arbítrio é a resposta ideal para refutar esse suposto equívoco de Deus; mas, isso só se aplica se a finalidade for subjetiva e não pré-estabelecida.


Portanto, se é verdade que há uma finalidade para nossa existência e que – também – temos livre arbítrio, essa finalidade não pode ser determinada por Deus.


Diante dessa contradição essencialista, concluo que finalidade divina (pré-determinada) e livre arbítrio não podem caminhar juntos.


A finalidade da existência é um dos desafios que a humanidade tenta superar, mas muito se diz que compreender o sentido que a vida tem é o caminho ideal para encontrá-la.


Por conseguinte, no próximo capítulo, trataremos do sentido (ou do vazio) existencial.


Até breve.


Anderson Cruz.

Terapeuta Cognitivo Comportamental.

 

Para ler o próximo capítulo, CLIQUE AQUI.



4 Comments


Marcelo Kassab
Marcelo Kassab
Oct 02, 2024

Qual é a vontade de Deus? É o que a religião me diz? Não creio na religião como porta-voz divina. É possível, na minha opinião, correlacionar vontade divina e livre-arbítrio. Creio que o livre-arbítrio é uma vontade de Deus.

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Anderson Cruz
Anderson Cruz
Oct 02, 2024
Replying to

Grato por compartilhar o seu ponto de vista, amigo. A discordância constrói e fortalece elos, quando bem administrada.

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Guest
Sep 28, 2024

Realmente, aproximar livre arbítrio e a vontade de Deus é conflituoso demais, mas eu penso que seria justo dizer que a vontade divina não depende do que o homem faz.

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Anderson Cruz
Anderson Cruz
Oct 02, 2024
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Grato por estar aqui. Eu creio que seria ótimo o aprofundamento dessa ideia, devido ao que possa estar na sutileza das tais palavras suas.

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