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Pílula filosófica: Um pouco de Platão

Atualizado: 3 de fev. de 2023

Todos nós procuramos o nosso bem; não apenas nós procuramos o melhor para nós, mas cada planta e animal procura o mesmo para si...

I – O mito da caverna

Platão descreve a situação em que alguns homens que, desde a infância, se encontram aprisionados em uma caverna. Neste lugar, não conseguem se mover em virtude das correntes que os mantêm imobilizados. Virados de costas para a entrada da caverna, veem apenas o seu fundo. Atrás deles há uma parede pequena, onde uma fogueira permanece acesa. Por ali passam homens transportando coisas, mas como a parede oculta o corpo dos homens, tudo o que os prisioneiros conseguem ver são as sombras desses objetos transportados. Essas sombras projetadas no fundo da caverna são compreendidas pelos prisioneiros como sendo tudo o que existe no mundo [e corresponde, portanto, ao mundo físico, isto é, material ou sensorial].


Certo dia, um dos prisioneiros consegue se libertar das correntes que o aprisionava. Com muita dificuldade, ele busca a saída da caverna. No entanto, a luz da fogueira (Bem como a do exterior da caverna) agride os seus olhos, já que ele nunca tinha visto a luz.


O ex-prisioneiro pensa em desistir e retornar ao conforto da prisão a qual estava acostumado, mas gradualmente consegue observar e admirar o mundo exterior à caverna. Entretanto, tomado de compaixão pelos companheiros de aprisionamento, ele decide enfrentar o caminho de volta à caverna com o objetivo de libertar os outros e mostrar-lhes a verdade.


No diálogo, Sócrates propõe que Glauco (seu interlocutor) imagine o que ocorreria com esse homem, em seu regresso. Glauco responde que os outros, acostumados à escuridão, não acreditariam no seu testemunho e que aquele que se libertou teria dificuldades em comunicar tudo o que tinha visto. Por fim, era possível que o matassem sob a alegação de perda da consciência ou loucura [em Heidegger corresponde a pensar a facticidade, isto é, ao mundo dos fatos sedimentados como verdades pré-críticas].


II – Consequências

O presente mito diz que há uma dupla realidade. O mundo do ser verdadeiro, simbolizado pelo sol que se encontra após saímos da caverna; assim como o mundo da aparência, isto é, o mundo humano e – em geral – marcado pela valorização do imediato, físico, concreto em detrimento ao ideal.


Cada instância – real ou aparente – comporia oposições fundamentais de realidade.


O mundo ideal – das formas perfeitas presentes em nossa razão – seria o verdadeiro mundo porque toda nossa compreensão, assim como nossa possibilidade de existir concretamente, adviriam dos paradigmas desse mundo eterno, atemporal e formal. Enquanto o mundo sensorial – ou seja, imediato – não deixaria de ser real. No entanto, real no sentido fraco, pois não poderíamos compreender-nos, apenas tendo o imediato como base. Esse mundo sensorial é o mesmo do animal bruto. Ele se reduz a ação-reação, causa-efeito, estímulo-resposta. Ora! Isso não é suficiente.


Faz-se, assim, para Platão necessário explicar a diferença entre mundo inteligível e sensível.


Por inteligível se compreende o mundo da inteligência, da formalidade, da ideia, do pensamento, enquanto o mundo sensível é o mundo da aparência, do corpo, das sensações.

III — Doutrina das ideias (eidos em grego)

Como o mundo material é dinâmico e o mundo da ideia estático, Platão procura explicar aquele por meio desse. Em Platão, a matéria é organizada pelos eidos, isto é, formas eternas subjacentes à realidade material. Sua doutrina, assim, procura explicar não apenas o movimento dos corpos e dos entes, mas também procura explicar a razão das coisas.


A primeira grande questão, na base de sua exposição, é a noção de substância.


Não se pensa aqui em substância material — por exemplo, como a de um perfume ou composto químico —, mas sim numa substância, isto é, numa “coisa” que se altera sem alterar sua natureza (essência). Diz Platão que há algo que recebe e modifica algo, mas ela mesma não se altera definitivamente. Talvez, a palavra-chave seja pensar na substância platônica como radicalmente resiliente, que consiste, em mecânica, na propriedade que alguns corpos (isso, porém no plano concreto) retornem à forma original após terem sido submetidos à uma deformação elástica. Assim como um corpo – por exemplo, um metal – pode voltar à sua forma anterior após uma deformação, igualmente a substância, após sofrer deformação, volta a ser o que era. Não importa quanta “pancada” sofra.


A substância – numa outra perspectiva – funciona, assim, como uma plataforma de petróleo no mar. Como sabemos, a plataforma é construída para resistir às forças do vento e das águas, de modo que seus pés são móveis, porém capazes de mover-se sem, porém, desequilibrarem a plataforma. Na mesma, tudo se passa como se não houvesse choques.


Platão, assim, quer mostrar que só podemos compreender os fenômenos da physis – isto é, da natureza – caso nós tenhamos princípios metafísicos. Nada ganha inteligibilidade, isto é, compreensibilidade, sem a adoção de princípios não materiais. A matéria, portanto, é carente de razão.

IV – O movimento

Embora nos pareça óbvio pensar o movimento, ele já causou muita dor de cabeça aos filósofos. Alguns chegaram a dizer que o movimento não existe, mas que seria apenas uma ilusão da matéria, porque não está inscrito no ser; visto que o ser é imóvel.


Platão resolveu isso dizendo que o movimento dos corpos só pode ser compreendido caso pensemos em algo assim como os corpos – inclusive a nós mesmos –, como orientados no mundo a um destino ético.


De certo modo, mover é passar de um estado A para o estado B. Nascemos num mundo de ignorância e de aparência, mas somos destinados pela ideia de Bem e de Belo a “evoluir” espiritualmente. Tal evolução tem por ponto de chegada – o final do trajeto – o desenvolvimento da alma, a procura pela verdade, o exercício do Bem e da justiça em nós e nos demais.

V – A Ideia de Bem

A ideia de Bem, em Platão, é fundamental por conta de seu papel na sua teoria das formas ou das ideias.


Poderíamos, assim, chama-la de manager, isto é, de uma ideia que cuida da organização ou que agencia as demais. Em analogia à computação, poderíamos dizer que o Bem é como um sistema operacional, cujos demais programas rodam dentro dele; ou ainda, como uma bússola que orienta as demais.


Imagine, amigo leitor, um trono. Nele, se senta o Bem. Ao redor, seus súditos, estão as demais formas ou ideias. O Bem, portanto, seria a ideia fundamental. Ela dá orientação às demais ideias. Os fenômenos da natureza, por exemplo, o sol, a terra, a água, o ar, o raio e o trovão, assim como as estações do ano, a fertilidade das plantas e dos animais, enfim, tudo o que vemos está afinado – em consonância – com o Bem. Todos nós procuramos o nosso bem; não apenas nós procuramos o melhor para nós, mas cada planta e animal procura o mesmo para si. Nenhum animal procura comer algo ruim para si; nem se agredir, até mesmo o instinto de conservação é expressão do Bem. Os entes, assim, assim como as formas eternas, estão alinhados com o Bem; este, portanto, une a multiplicidade, ou seja, o mundo vegetal, animal e humano são unidos num só horizonte: o Bem.


Portanto, tudo que existe, existe no horizonte do Bem – isto é, se orienta pelo mesmo.


O Bem, portanto, é a causa final – o destino de tudo que é.


No entanto, não podemos naturalmente pensar assim. Tal noção é conquistada a partir do Logos, ou seja, do pensamento. Somente a razão poderia nos dizer como funcionam as coisas, os entes e os seres. Nisso nos revela a razão de ser – sua finalidade ou “destino”.


VI – A Ideia de Belo

O Belo é parte fundamental do processo de compreensão do Bem.


O Belo significa aquilo que é a justa medida (nem mais nem menos), a harmonia e a ordem interior do ser. Aquilo que é (o ser) se orienta pelo Bem assim como Belo. Portanto, contém em si a finalidade da existência, assim como é marcado pela harmonia fundamental.


Nesse sentido, o Belo é o caminho que nos conduz ao Bem.


Conduz-nos ao Bem à medida que o Belo nos mobiliza a agir em conformidade à virtude.


Por virtude se quer dizer várias coisas! Primeiro, o oposto ao vício, isto é, aos defeitos de personalidade. Segundo, a virtude significa algo assim como o desenvolvimento das faculdades cognitivas, intelectuais e morais do homem. Num terceiro momento significa o ato de saída do concreto, material, rumo a uma verdade fundamental. Nos orienta, portanto, a sair do espaço ôntico rumo ao ontológico, isto é, ao ser. Ao sairmos do mundo da aparência de beleza rumo a Beleza em si. Nos mobiliza à transcendência. Num movimento ascendente de procura pelo Amor. Saindo, assim, do âmbito sensorial de Eros para seu aspecto transcendental. — Platão, portanto, pensa num processo de sublimação. Do escoamento da libido do mundo sensível ao mundo último e fundamental: mundo da Ideia Eterna ou das Formas. VII – Conclusão

Sair da caverna é, pois, ascender do mundo ôntico ao ontológico, assim como do mundo sensorial ao mundo da inteligência, assim como da temporalidade à eternidade, assim como da aparência à realidade. Em sentido de realizar no homem seu destino ético, isto é, de evoluir espiritualmente através de um movimento sucessivo e gradual de desenvolvimento de seu caráter.


Thiago Carvalho.

Psicólogo e pós-graduando em neuropsicologia.



4 Comments


Marcelo Kassab
Marcelo Kassab
Jan 31, 2023

O texto é brilhante. A apresentação em tópicos foi didática e a conclusão une tudo magistralmente.

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Guest
Feb 01, 2023
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Obrigado.

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Cleisianne Leite
Cleisianne Leite
Jan 30, 2023

👏👏👏 maravilhoso um artigo para ter por perto durante as leituras de Platão 😊

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Guest
Feb 01, 2023
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Obrigado.

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